O fim da cidadania italiana

O fim da cidadania italiana

Todo ano esses questionamentos surgem em relação à cidadania italiana, principalmente daqueles que desejam o fim da cidadania italiana para os descendentes nascidos no exterior. 

Existe um movimento político e social na Itália, presente na política de direita e esquerda, no empresariado e na sociedad. Esse movimento diz que: 

“Os verdadeiros italianos são aqueles que nasceram na Itália, aqueles que falam italiano, que estão lá contribuindo para a sociedade e pagando impostos.”

Políticos como o senador Roberto Menia, que elaborou o projeto de lei 752 que hoje está em análise pela comissão parlamentar italiana, a qual trata da reaquisição da cidadania italiana, modificando a lei em vigor da cidadania italiana, nº 91 de 5 de fevereiro de 1992.

A proposta do Roberto Menia

A proposta de lei do senador Roberto Menia tem foco em 3 pontos:

  1. Limitar a terceira geração a cidadania a reaquisição ou reconstrução da cidadania italiana do ascendente nascido, ou residente na Itália;
  2. O requerente deverá demonstrar conhecimento da língua italiana nível B1;
  3. Um ano de residência na Itália para os descendentes de pessoas de origem italiana além do terceiro grau que visem readquirir a cidadania italiana. 

Este é um trecho da proposta de lei do senador Roberto Menia:

“È noto ed innegabile, infatti, che, in diversi Paesi di storica emigrazione italiana, attualmente vi sia una « corsa » alla cittadinanza italiana che, se per alcuni nasce da una condivisione e da una riscoperta orgogliosa delle radici, per altri sta invece diventando una questione di convenienza – vera o presunta – slegata da un’italianità vissuta e sentita. Molti usano il passaporto italiano come chiave di facile ingresso in alcuni Paesi altrimenti difficilmente raggiungibili o per l’ingresso nell’Unione europea, ma senza passare per l’Italia o ritenere di dimorarvi, studiare o lavorare. Si sono formate, soprattutto in alcuni consolati del Sud America, delle liste d’attesa di dieci anni per le pratiche di riacquisto della cittadinanza; intanto è cresciuto il fenomeno della « vendita delle cittadinanze »: ci sono studi legali e agenzie che offrono pacchetti con tanto di biglietto salta turno, documentazione (anche falsa) e residenza fittizia per conquistare in breve la cittadinanza italiana.”

A tradução do texto acima:

É notável e inegável, o fato que, em diversos países de histórica emigração italiana, atualmente existe uma “corrida” pela cidadania italiana que, se para alguns nasce de um compartilhamento e de uma descoberta orgulhosa das raízes, para outros ao contrário está se tornando uma questão de conveniência – verdadeira ou presumida – desconectada de uma “italianidade” vivida e sentida. Muitos usam o passaporte italiano como chave para facilitar a entrada em alguns países da Europa, de outra forma seriam dificilmente acessados, ou para a União Européia, mas sem passar pela Itália, ou considerar morar, estudar ou trabalhar. São formados, sobretudo, de alguns consulados da América do Sul, das listas de espera de dez anos para as práticas de reaquisição da cidadania; enquanto isso está crescendo o fenômeno de “vendas de cidadanias”: existem escritórios de advocacia e agências que oferecem pacotes completos com bilhetes fura fila, documentação (inclusive falsa) e residências fictícias para conquistar rapidamente a cidadania italiana. 

Sobre o conteúdo descrito:

É perceptível este trecho trata principalmente das cidadanias de ítalo-brasileiros e aparece o termo incorreto “riacquisto della cittadinanza” ou reaquisição da cidadania, além de criticar o mercado de cidadania formado por advogados e agências que promovem a “venda de cidadanias” muitas vezes com documentação falsa, residências fictícias para que os descendentes consigam rapidamente a cidadania italiana. 

A primeira questão é que não existe venda da cidadania italiana e muito menos reaquisição da cidadania italiana ou reconstrução da cidadania, já que os descendentes receberam a cidadania italiana originária Jus Sanguinis. 

É legal ou ilegal?

De fato, existem práticas ilegais cometidas por empresas de cidadania, desde falsificação de documentos até falsificação de residências na Itália, isso acontece com ou sem o conhecimento dos requerentes que confiam nessas empresas, pois não entendem como funciona a prática de reconhecimento. 

Inclusive com o recente caso do apresentador Rodrigo Faro, que entregou a documentação nas mãos de uma agência famosa e achou que estava dentro do rito normal de reconhecimento da cidadania.

Porém, o texto do projeto Menia expressa uma opinião política e dá-se a entender que o reconhecimento deveria demorar 10 anos, sendo que o texto condena qualquer outra forma de reconhecer a cidadania em um tempo menor, utilizando o termo “furar a fila”. 

Quando na realidade é que essa fila vai contra o Decreto do Presidente do Conselho de Ministros nº. 33 de 17 de janeiro de 2014, que estabelece o tempo máximo de 730 dias (2 anos) para o reconhecimento da cidadania italiana no exterior. 

A avaliação do direito de posse ininterrupta da cidadania italiana deveria ser algo simples e facilitada, pois 10 anos de prazo é o equivalente a negar o acesso ao direito do cidadão italiano nascido no exterior.

Dentro desta seara, foi criada a taxa consular de 350 euros para resolver os problemas desta fila, dinheiro que era recolhido pelo tesouro italiano e não retornava.

Desde 2017 parte deste dinheiro, 30% do valor arrecadado, passou a retornar aos consulados italianos, porém não houve um aumento no quadro de funcionários consulares, pelo contrário, implantaram do sistema Prenot@mi que criou uma barreira extra, limitando o número de requerimentos diários. 

A partir deste quadro, podemos concluir que existe uma mão invisível da administração pública italiana, a fim de inviabilizar, ou limitar, o reconhecimento da cidadania, discriminando os ítalo-descendentes em desacordo com a Constituição Italiana e com a própria lei da cidadania.

Essa burocracia dá origem ao mercado da cidadania, pois para cada problema, surge uma solução da iniciativa privada e isso irrita os políticos italianos. 

Mercado da Cidadania

A partir do momento em que reconhecer a cidadania pela via consular é praticamente impossível, os requerentes optam pelo reconhecimento em solo italiano que em geral não ultrapassa os 6 meses.

Só que para isso os requerentes têm que ser residentes registrados e a maior dificuldade para os recém-chegados na Itália é conseguir alugar um imóvel sem trabalho ou comprovação de renda.

Isso torna a proposta do Menia mais absurda, quando exige a residência de 1 ano na Itália, sendo que até a conclusão do reconhecimento da cidadania os requerentes não podem trabalhar, ou seja, teriam que custear um ano de residência na Itália? 

Com a demanda de ítalo-descendentes, muitos brasileiros começaram a alugar quartos e assessorar os requerentes junto aos órgãos públicos. 

A lei italiana permite e incentiva a intermediação, existem empresas de patronato, CAF CISL e Poste Italiane, que oferecem agendamento para os serviços públicos italianos e cobram por isso. 

Com o tempo surgiram as empresas de cidadania, inclusive com sede no Brasil, captando clientes para suprir o problema das filas consulares, oferecendo uma alternativa mais rápida. 

Porém, algumas destas empresas começaram a exercer práticas ilegais, subornando os oficiais públicos para agilizar o reconhecimento, ou para declarar a residência de pessoas que nunca pisaram naquele comune – o caso do Rodrigo Faro. 

Apesar de até agora não existir um prazo mínimo ou máximo de residência para o reconhecimento da cidadania – até porque a lei da cidadania nem menciona residência – para requerer a cidadania, a pessoa tem que ser residente no comune.  

Em paralelo surgiu a cidadania judicial contra-filas nos consulados, em se exige que o prazo consular seja cumprido.

Não podemos classificar os serviços advocatícios ou os serviços de assessoria como ilegais ou imorais, pois a maioria das empresas e profissionais trabalham em prol de garantir o direito ao reconhecimento da cidadania italiana. 

O que o Estado Italiano deveria se propor era regulamentar essas empresas, ou até mesmo fomentar o reconhecimento na Itália para estimular o retorno desses descendentes ao país. 

Afinal a população italiana está envelhecendo e foi realizada uma projeção por  cientistas que em 2050 nascerá na península o último bebê italiano, mas somente no Brasil a Itália tem um potencial de 30 milhões de descendentes. 

Caso os políticos realmente desejem acabar com o mercado da cidadania, deveriam acabar com as filas nos consulados, pois assim os requerentes fariam rapidamente o reconhecimento da cidadania. 

Mas, esse não é o objetivo destes políticos, o objetivo é questionar a legitimidade do direito à cidadania italiana a fim de acabar com a cidadania.

A cidadania italiana vai acabar?

O problema é que a proposta de alteração na lei da cidadania italiana é por si só equivocada tratando da aquisição ou reconstrução da cidadania.

Os políticos italianos partem do princípio de que nós que nascemos no exterior adquirimos a cidadania italiana, quando na verdade a cidadania italiana é originária, atribuída por filiação, sem ligação alguma com o fato de nascer dentro ou fora da Itália. 

O reconhecimento é a confirmação desta posse da cidadania, garantida pelo mesmo artigo na lei que atribui a cidadania a qualquer italiano nascido na Itália.

Prova disso é que uma das etapas do reconhecimento da cidadania italiana é a NR – Non rinuncia, ou seja, é verificado se nenhum dos nossos antepassados renunciou a cidadania italiana ao longo da vida, ou seja, caso não tenham renunciado continuaram sendo italianos. 

Como o Código Civil italiano não permite a discriminação entre os cidadãos, não é possível estabelecer uma lei específica para os ítalo-brasileiros, sem alterar a constituição. 

O que poderia ser feito é uma nova lei com mecanismos que estabeleçam a perda da cidadania italiana, só que essa lei teria que ser aplicada a todos os italianos.

Da mesma forma como não é possível exigir a língua italiana para o reconhecimento da cidadania por descendência, sem aplicar essa alteração para todos os italianos nascidos na Itália. 

Portanto, a legalidade da proposta de lei Menia é questionável em muitos aspectos e mesmo que venha a ser aprovada na comissão será rejeitada pela Corte di Cassazione, que inclusive recentemente rejeitou a tese da Grande Naturalização.

Por isso, dificilmente a lei da cidadania italiana vai mudar em relação a cidadania Jus Sanguinis, aconteceu exatamente a mesma coisa com o Decreto Salvini. 

Além disso, uma nova lei seria aplicada apenas para os novos italianos, aqueles que ainda não receberam a cidadania originária, aqueles que ainda não nasceram. 

Sendo assim, já existem 30 milhões de ítalo-descendentes no Brasil, nos últimos anos tem dobrado o número de reconhecimentos nos consulados, são quase 1 milhão de cidadãos reconhecidos e registrados no A.I.R.E., isso sem falar nos que moram no exterior. 

Isso representa uma força política que eles temem. 

O que os burocratas fazem e sempre vão continuar a fazer é criar barreiras, mas a mudança na lei é pouco provável, pois mesmo que venha a ser aprovada a sua legitimidade será questionada.

Anunciadores do fim 

Como você viu neste artigo, o projeto de lei do Menia não está em vigor, mas empresas de cidadania já estão anunciando o fim da cidadania italiana, dizendo que você pode perder o direito à cidadania italiana. 

São empresas duvidosas que utilizam o medo como ferramenta de manipulação e persuasão.

Se a empresa de cidadania no primeiro contato com os clientes têm esta postura duvidosa, o que esperar do serviço? 

Como eu disse, a assessoria não é ilegal, mas desconfie das empresas que fazem assessorias administrativas em massa, possivelmente elas estão falsificando residências e subornando oficiais.

Tenha cautela com a empresa que contrata, de preferência por contratações diretas de advogados na Itália, de preferência não terceirize a pesquisa e o preparo dos documentos, faça o curso Origem Italiana e prepare você mesmo os seus documentos evitando a falsificação. 

O problema está justamente em confiar cegamente nas empresas, estude, acompanhe o Italinha para evitar fazer parte de esquemas fraudulentos. 

E não se desespere, a cidadania italiana não vai acabar!

Um abraço e até o próximo artigo do Italinha. 

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