Uma nova proposta de lei para limitar a transmissão da cidadania italiana Jus Sanguinis, denominada de Ius Italiae foi proposta pelo partido Forza Italia, do então Ministro das Relações Exteriores Antonio Tajani. Será que dessa vez passa?
A notícia corre solta, no dia 5 de Outubro durante o evento Giornata dell’Economia que ocorreu em Milão, Antonio Tajani – Ministro das Relações Exteriores, famoso por suas declarações contra os italianos nascidos no exterior, em especial os ítalo-brasileiros, apresentou uma proposta para reformar a lei da cidadania italiana, a Ius Italiae.
Parece que estamos presos num looping infinito, um disco que toca sempre a mesma música, não é possível que em menos de um ano já estamos aqui conversando sobre esse tema novamente.
E pior, centenas de manchetes já anunciam o fim da cidadania italiana, empresas que dizem: corre, faça a sua cidadania imediatamente antes que acabe!!!
Parece promoção da Magazine Luiza: Só hoje, só hoje no Magazine Luiza você compra…
Só para lembrar que há apenas alguns meses estava em análise o tal do projeto n. 752 proposto pelo senador Roberto Menia di Fratelli d’Italia, que visava alterar a lei da cidadania nº91/1992, para:
- Limitar a terceira geração a cidadania a “reaquisição ou reconstrução da cidadania italiana” do ascendente nascido, ou residente na Itália;
- O requerente deveria demonstrar conhecimento da língua italiana nível B1;
- Teria que ter um ano de residência na Itália para os descendentes de pessoas de origem italiana, além do terceiro grau, que visavam readquirir a cidadania italiana.
Já falamos sobre esse tema no artigo: FIM DA CIDADANIA ITALIANA
Fato é que esse desenho de lei foi realmente para análise do senado em Janeiro deste ano, contando com o apoio de diversos políticos italianos.
Porém, o projeto de alteração da lei da cidadania italiana do Menia é inconstitucional, como tantos outros que vieram antes dele propostos por políticos que nem ao menos se interessam por estudar a lei da cidadania do seu próprio país e vem arrotar nacionalismo.
O cadáver nem esfriou e já temos uma nova proposta de lei.
Aliás repare que não teve nenhuma notícia dizendo que a lei do Menia “flopou”, não é mesmo?!
Na hora de alarmar são muitos a gritar, mas quando o trâmite da lei esfria ninguém fala nada.
Certamente se tem proposta de lei nova vindo aí, de outro partido conservador é porque a proposta do Menia está indo pelo ralo.
A Ius Italiae do Antonio Tajani
A Ius Italiae é um Frankenstein, uma mistura de Ius Soli, com a Ius Sanguinis e ainda uma pitada de Ius Scholae na mistura, completa aberração jurídica.
Entenda a diferença:
- Jus Soli: A cidadania é atribuída quando a criança nasce em um determinado país. Ex. a criança nasceu no Brasil e foi registrada, essa criança é cidadã brasileira;
- Jus Sanguinis: A cidadania é atribuída por filiação, é cidadão o filho de um outro cidadão, não importa se a criança nasceu no país em questão. Ex. A criança nasceu no Brasil filha de pais italianos, portanto a criança é italiana;
- Jus Scholae: Essa modalidade é uma proposta recente da esquerda italiana (não aprovada) que pretende atribuir a cidadania italiana a crianças estrangeiras com até 12 anos, filhas de imigrantes estrangeiros, que vivam na Itália e tenham cumprido um ciclo escolar inteiro no país (5 anos).
O que é a proposta de cidadania Ius Italiae?
É uma tentativa de corrigir alguns problemas relacionados ao projeto Menia, com uma tentativa de chegar a um acordo com a ala política esquerda que deseja a Jus Scholae, incluindo uma propina legalizada para agradar aos consulados e comuni.
Joguei a lama no ventilador e agora vou explicar item a item.
- Problemas do projeto Menia: o maior problema do projeto Menia era achar que se a lei da cidadania italiana fosse alterada, ela passaria a valer para todos os descendentes já nascidos, o problema é que o direito não funciona a assim, a lei só pode valer apenas para os descendentes que nascessem após a vigência da nova lei, por isso essa nova proposta de lei considerou este fato.
Outro erro do projeto Menia tratava de re-aquisição e reconstrução da cidadania italiana, sendo que a cidadania Jus Sanguinis é uma cidadania originária, válida tanto para quem nasce na Itália e quem nasce no exterior (Brasil, Argentina, Estados Unidos, etc.);
- Acordo político: os partidos de esquerda na Itália já propuseram a Jus Scholae, eles lutam para conseguir implementar essa nova modalidade de cidadania para estrangeiros visando 5 anos de estudo, hoje já existe a cidadania por tempo de residência sendo 4 anos para cidadãos comunitários (pertencentes a UE) ou 10 anos para extracomunitários.
Porém, a Jus Italiae propõe conceder a cidadania italiana às crianças estrangeiras depois que completem 10 anos de estudo na Itália, podendo ser reconhecida aos 16 anos, mas dificilmente vai agradar os partidos de esquerda, dado o tempo prolongado.
- Propina legalizada: uma das maiores críticas do próprio ministro Antonio Tajani é a mercantilização da cidadania italiana por advogados e empresas de cidadania, além dos casos de fraude de residência e subornos pagos aos oficiais. Pois bem, através da Jus Italiae será possível que os comuni cobrem até 600 euros para fazer a prática da cidadania por descendência que antes era gratuita, essa foi a forma que o Estado Italiano encontrou de legalizar a propina que muitos oficiais recebiam das assessorias.
Além dessa cobrança descabida, os comuni também poderão cobrar até 300 euros pela emissão dos documentos dos antepassados que também era gratuito, mas que vinha sendo adotado por alguns comuni extra-oficialmente. E os consulados poderão cobrar 600 euros pela prática da cidadania italiana.
- A nova proposta de lei também prevê que o filho nascido no exterior em posse de outra cidadania, incluindo filhos adotivos, cujos ascendentes em cujos ascendentes em linha reta de primeiro, segundo e terceiro grau sejam nascidos no exterior. Ou seja, se você reconheceu a cidadania italiana e tiver um filho no exterior após a vigência da lei, seu filho não terá direito à cidadania italiana.
Mas, o italiano que nasceu na Itália e vive no exterior terá garantido que os seus descendentes nascidos no exterior serão italianos até a terceira geração. Ou seja, essa proposta de lei divide os cidadãos entre: italianos nascidos no Brasil e italianos nascidos na Itália.
A lei do Forza Italia será aprovada?
Se você leu o parágrafo anterior viu que provavelmente essa lei não vai agradar tanto os partidos de oposição, para quem não sabe o Forza Italia é o partido de direita, além disso dentro do próprio partido há muita discordância, muitos defendem a Jus Sanguinis frente a Jus Soli ou Jus Scholae, pois enquanto a primeira resguarda a constituição italiana e os descendentes, as outras duas defendem o direito ao voto de imigrantes que se estabeleceram na Itália nas últimas décadas e que não tem origem italiana na família.
Não vou ficar aqui comparando quem tem mais direito à cidadania italiana, até porque eu não acredito que tem que ser um contra o outro, esse jogo quem faz são os políticos, fato é que a Itália já não produz filhos e a previsão é que até o ano de 2050 nasça o “último italiano” na península.
Ou seja, deveria ser de interesse da comunidade italiana zelar pela manutenção da sua sociedade.
Dito isso, o que de fato é o real interesse dos administradores públicos são as cobranças de taxas para o reconhecimento da cidadania e a emissão dos documentos, por isso neste sentido acredito que se um dia essa proposta fosse para análise tanto políticos de esquerda quanto de direita dariam apoio a nova proposta de lei, afinal reina o interesse.
Veja, cito aqui novamente o discurso do Tajani contra o mercado da cidadania, reclamando que os descendentes latinoamericanos só querem a cidadania para ir para Disney, ignorando a imensa comunidade ítalo-brasileira que vive na Itália.
A verdade é que o próprio Tajani estimula a morosidade consular, sendo essa demora que cria o mercado da cidadania composto por assessores e advogados italianos, mas estes políticos não estão interessados em resolver o problema ou facilitar o reconhecimento da cidadania garantido pela lei italiana, pelo contrário, criam mais barreiras para que os descendentes desistam de fazer valer o seu direito.
De um lado tem a vontade de alguns políticos e funcionários públicos de ganhar a “parte deles”, já que observam as empresas de cidadania e advogados lucrando com isso, e eles ali ganhando seu salário público, tendo mais trabalho sem ter recompensa; do outro você tem os políticos vendo a quantidade de reconhecimentos aumentar e o medo de que esses “novos cidadãos” representem uma força política que eles não controlam.
Temos que lembrar que a cidadania italiana também significa direito ao voto.
Então existem interesses que convergem e que podem levar a aprovação da lei, mas por outro lado essa proposta de lei também é problemática do ponto de vista jurídico.
Entenda que por mais que uma lei seja aprovada pelos políticos, ela precisa necessariamente ter valor legal e o problema é que na constituição italiana, diz que:
“Tutti i cittadini hanno pari dignità sociale e sono eguali davanti alla legge, senza distinzione di sesso, di razza, di lingua, di religione, di opinioni politiche, di condizioni personali e sociali.
È compito della Repubblica rimuovere gli ostacoli di ordine economico e sociale, che, limitando di fatto la libertà e l’eguaglianza dei cittadini, impediscono il pieno sviluppo della persona umana e l’effettiva partecipazione di tutti i lavoratori all’organizzazione politica, economica e sociale del Paese.”
Traduzindo: todos os cidadãos têm a mesma dignidade social e são iguais perante a lei, sem distinção de sexo, raça, língua, religião, opinião política e de condições pessoais e sociais.
É dever da República remover os obstáculos de ordem econômica e social que limitam de fato a liberdade e a equidade dos cidadãos, impedindo o pleno desenvolvimento da pessoa humana e a efetiva participação de todos os trabalhadores na organização política, econômica e social do País.
Ou seja, não é possível que uma lei que trata justamente da cidadania italiana vá contra a constituição, criando cidadãos de primeira classe nascidos na Itália e cidadãos de segunda classe nascidos no exterior.
Como também não é possível que uma lei de cidadania crie barreiras econômicas com taxas abusivas para limitar a liberdade e igualdade dos cidadãos, principalmente de forma intencional para evitar o direito ao voto.
Concluo dizendo que apesar dessa proposta de lei ser inconstitucional, assim como as propostas anteriores também possuíam seus defeitos legais, nós percebemos um aumento brutal das medidas contra os descendentes latinoamericanos.
Aqui no ITALINHA vamos continuar informando e batalhando para que mais brasileiros reconheçam a sua origem italiana e que um dia esse milhões de ítalo-brasileiros possam ser uma força política contra quaisquer políticos (de direita ou esquerda) que sejam desrespeitosos com a memória dos nossos antepassados.
Assim como vamos continuar estimulando o interesse pela cultura italiana e o nosso amor pela Itália, pois acreditamos que os bons italianos não podem pagar pelos maus.
Deixe sua opinião nos comentários e arrivederci!